Toque de Anjo - Gael ( Capitulo 2)
Após alguns dias de
purificação para mim e anos para os humanos eu estou pronto para retornar a
Terra. Meus pensamentos estão um pouco mais pacíficos e talvez seja por isso
que eu sinta um enorme desejo de rever aquela garotinha.
Com
quantos anos ela estaria agora? Sete ou oito anos? Eu não sei, o tempo entre um
plano e outro é muito diferente.
Não demoro
muito a encontra-la. Lá estava ela, sentada em uma manta espalhada pelo jardim.
Vestido branco com babados, descalça, os cabelos soltos, longos cachos caindo
ao redor do rosto, linda como um querubim. Alheia ao mundo a sua volta e ao
redor de seus brinquedos. Perdida em sua imaginação infantil. Há uma mesinha redonda
de brinquedo com diversos utensílios de cozinha, também de brinquedo. Em um dos
banquinhos em frente à mesa há uma boneca de porcelana na qual ela conversa e
serve chá em uma xícara rosa de plástico.
Como
da outra vez, imediatamente percebe minha presença e abre um enorme sorriso a
me ver.
— Homem passarinho — o pulo de alegria que
solta é tão grande e contagiante que não consigo frear o sorriso em meu rosto.
—
Olá garotinha.
Sua cabeça
inclina para o lado e ela me encara com certa confusão. Compreendo
imediatamente o motivo de seu espanto. Falamos uma língua diferente dos
humanos. Embora os compreendêssemos o mesmo não se aplica a eles, exceto claro,
quando os conduzia para sua viagem.
—
Sua voz é engraçada — ela ri. — Vem, tem um lugar para você na mesa, minha
amiga Cherry não vem. Sabe... ela foi malcriada e a mamãe dela não a deixou vir
brincar comigo.
Apenas
aceno com a cabeça já que ela não entenderá qualquer coisa que eu disser,
sento-me no chão ao lado da boneca e observo-a enquanto finge me servir o chá
das cinco.
Ouço
seu tagarelar continuo com certo espanto e divertimento. Os humanos costumam
falar muito, mais do que os anjos. Anjos raramente falam, preferimos nos
comunicar por pensamentos e mesmo assim é muito raro. Mas essa garotinha é uma
metralhadora com munição renovável. Sempre que termina um assunto há outro
ainda mais interessante para ela.
—
Você viu minha mãe? — diz ela e me encara com olhar triste. — Eu não chorei uma
única vez, mas ela não voltou ainda.
O que
eu posso dizer a uma garotinha que ainda sofre com a ausência da mãe? Você
voltará a vê-la? Mesmo que eu pudesse dizer algo, isso seria mentira.
Faço
um gesto imitando uma casa e estico os braços como se desenhasse uma casa
grande.
—
Ela está fazendo um castelo! — diz ela agitando os bracinhos.
Balanço
a cabeça em concordância e me regozijo com seu encantamento.
Alguns
minutos depois percebo uma alma atormentada se aproximando de nós e
imediatamente fico em estado de alerta. Um homem se aproxima de onde estamos
com expressão séria no rosto. A barba crescida e a roupa amassada, eu o
reconheço.
—
Está na hora de entrar Luna — apesar da aparência cansada e sofrida o olhar
para criança é carinhoso. — Já está ficando tarde e frio, ouvi alguns raios há
pouco, acho que vai chover.
Ele observa
o céu claro com certa estranheza. Não há uma única nuvem no seu e o sol
desponta brilhante. A culpa foi minha ao falar com a garotinha, esse é um dos
motivos de não tentarmos nos comunicar com os humanos, nossas vocês ecoam no
céu como um trovão.
Luna
encara o rosto duro com um sorriso suave.
—
Mas papai meu anjinho está aqui — murmura ela. — Não posso ficar só mais um
pouquinho?
—
Não!
Edward
olha ao redor a procura de algo. Seus olhos viajam em todas as direções e ele
pega a menina em seu colo.
—
Não quero que volte a falar com ele...
—
Mas paizinho...
—
Prometa Luna! — diz ele apertando-a em seus braços. — Prometa que não voltará a
falar com esse anjo. Ele não é bom. Levou sua mamãe de nós e fará o mesmo com
você.
Seu olhar
desesperado para filha de alguma forma mexe comigo. Não sei se é pelo fato de
ter acabado de sair da purificação ou se realmente os sentimentos dele são
comoventes, sinceros. Há guerra e paz dentro dele. Amor e ódio. E muita, mas
muita desesperança na vida.
— Eu
não suportaria perde-la também minha filha — sussurra ele, alisando os cachinhos
dela. — Prometa-me!
Apesar
de contrariada ela concorda com a cabeça e os dois retornam para a mansão. Vê-los
se afastar me dá a sensação de algo está faltando, algo importante que eu havia
deixado partir. A mesma inquietação dos últimos tempos me volta. Acho que não
me ausentei tanto tempo como previa.
Eu preciso
ir. Há trabalho a minha espera. Não muito longe daqui há uma alma que sofre e
precisa de minha presença.
—
Observando os humanos Gael — soa uma voz atrás de uma árvore. — Interessante.
A
mulher se é que eu posso chama-la sai de trás dos arbustos com sorriso que seria
encantador se não fosse tão falso quanto ela.
Assim
como os anjos demônios podem influenciar as pessoas para bem e para o mal desde
que estejam propensas e receptivas para isso. Essa é um demônio da mentira, discórdia
e falsidade. Existem muitos deles por ai, os que às vezes conseguiam escapar
dos portões do inferno.
— Fugindo
novamente Jezebeth?
Seu andar
é languido em minha direção. Como um gato acabando de acordar. Contudo, seu
olhar é sagaz e firme.
—
Alguns anjos tem o ego... — sussurra ela estalando a língua em desaprovação. —
Gigantesco. Foi bem fácil distraí-los.
— Eu
acredito que sim — murmuro com certa calma.
Embora
eu mesma queira leva-la de volta para ao inferno o dever me chama. É como um
imã, os sussurros de dor ecoam em minha cabeça.
—
Qual seu interesse na garotinha?
A euforia
em sua voz me deixa vigilante. Jezebeth faria mal a criança apenas por
instinto, mas se ela notasse ou acreditasse ter algum interesse de minha parte
isso seria mais prazeroso. Demônios adoram atormentas os humanos, mas se
tratando de anjos eles ficam exultantes.
—
Nada de especial — murmuro. — Estou apenas de passagem.
—
Uma das coisas que eu aprecio nos anjos é sua incapacidade em mentir — diz ela
gargalhando. — Não se preocupe... Irei descobrir isso.
Eu não
permitirei que ela faça isso. Nem mesmo sei qual meu interesse nessa criança. Tudo
que compreendo é que ela me faz bem e para mantê-la segura eu terei que ficar
longe. Para sempre!
—
Venha agora! — digo a Miguel mentalmente.
O vento
e olhar horrorizado do ser a minha frente diz que ele havia me ouvido. Satisfeito
e confortado por sua presença parto o mais rápido possível.
Tudo
nesse lugar me cheira a podridão. Desde as latas e garrafas espalhadas pelo
chão até os restos de comida. Há varias pessoas seminuas jogadas inconscientemente
em cada canto. Algumas viajam em sua loucura e outras preparam a última dose
desesperadamente. Eu já vi essa cena muitas vezes, mas ela sempre me incomoda. O
poder que as pessoas têm para se autodestruir me é incompreensível.
Um jovem
olha horrorizado para o próprio corpo no chão.
— O
que aconteceu? — diz ele me encarando com medo.
—
Vocês chamam de overdose — murmuro.
Eu cheguei
um pouco tarde para evitar o choque antes de sua partida. Sua alma está confusa
e desorientada. Precisará de mais tempo do que o previsto para se adaptar,
ainda carrega na alma as dores do mundo. Eu havia falhado em minha missão.
—
Estou morto? — murmura ele dando alguns passos para longe de mim.
—
Seu corpo sim — vi que o peguei de surpresa, mas não há nada que eu possa fazer
contra isso. Ele precisa fazer a passagem o quanto antes. — Vamos!
Novamente
eu fui exilado. Dessa vez por escolha minha. Eu nunca falhei em uma missão, não
desde que havia acontecido a primeira guerra e tudo fosse divido entre o bem e
o mal. Essas lembranças me atormentam todos os dias, desde então sou mais receptível
aos males do mundo. Eu fui traído e com isso condenado a morte, mas isso é outra
história.
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